sábado, 15 de setembro de 2007

Munch, Melancholy


Um boi vê os homens

Tão delicados (mais que um arbusto) e correm
e correm de um para outro lado, sempre esquecidos
de alguma coisa. Certamente, falta-lhes
não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves,
até sinistros. Coitados, dir-se-ia não escutam
nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes
e no rasto da tristeza chegam à crueldade.
Toda a expressão deles mora nos olhos - e perde-se
a um simples baixar de cílios, a uma sombra.
Nada nos pêlos, nos extremos de inconcebível fragilidade,
e como neles há pouca montanha,
e que secura e que reentrâncias e que
impossibilidade de se organizarem em formas calmas,
permanentes e necessárias. Têm, talvez,
certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem
perdoar a agitação incômoda e o translúcido
vazio interior que os torna tão pobres e carecidos
de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós?), sons que de despedaçam e tombam no campo
como pedras aflitas e queimam a erva e a água,
e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.


Carlos Drummond de Andrade


***


Conversa de bois

- Que é que está fazendo o carro?
- O carro vem andando, sempre atrás de nós.
- Onde está o homem-do-pau-comprido?
- O homem-do-pau-comprido-com-o-marimbondo-na-ponta está trepado no chifre do carro.
- E o bezerro-de-homem-que-caminha-sempre-na-frente-dos-bois?
- O bezerro-de-homem-que-caminha-adiante vai caminhando devagar... Ele está babando água dos olhos...


Guimarães Rosa

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito lindo.. mas não tanto como vc.

Lilian disse...

???