domingo, 22 de junho de 2008

Porque, afinal, viver ultrapassa todo entendimento...


"Distorção"

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

(De O Guardador de Rebanhos)


Já tive lá minhas pendengas com Caeiro, mas não adianta: volta e meia lá estou novamente batendo à sua porta. Ou talvez, simplesmente, não (me) seja possível tapar os seus versos com a peneira.

O fato é que, nos últimos tempos, não consigo tirar da cabeça esses benditos aí de cima. Em primeiro lugar, por uma grande e antiga dificuldade: a de viver puramente o presente, sem antecipações ou rememorações, sem expectativas e suas respectivas frustrações. Enfim, como é difícil deixar a vida acontecer simplesmente, e estar aberta para o que quer que ela traga consigo...

Em segundo lugar, por algo mais positivo que percebo como essencial em mim: estou sempre buscando libertar o meu olhar, tentando enxergar aquilo que eu nunca havia notado antes e ver as coisas sempre de ângulos diferentes... É claro que já não se concebe um pensamento totalmente a-histórico, isento de qualquer condicionamento, mas acredito também que seja fundamental tentar tirar o máximo possível de vendas. E esse 'desvendamento' é com certeza um dos meus maiores prazeres...
Vinicius, no "Samba da Bênção":

A bênção, Carlinhos Lyra
Parceiro cem por cento
Você que une a ação ao sentimento
E ao pensamento

Combinação rara e invejável a de Carlinhos Lyra, quando o comum das gentes é pensar demais e sentir de menos, pensar de menos e sentir demais, pensar demais e não agir, agir sem pensar, enfim...

Com certeza mereceu a menção do poeta...