domingo, 23 de dezembro de 2007

Closer, 2005

Alguns dos filmes que vejo me impressionam de tal forma que acabam entrando pra minha mitologia pessoal - filmes que me explicam o mundo, que lhe dão sentido, que voltam de tempos em tempos querendo me dizer alguma coisa. Closer é um deles.
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Já foi muito impressionante da primeira vez em que o vi, em 2005, num momento da minha vida em que era impossível não me identificar (de fato, o mal-estar provocado pelo filme talvez tenha mesmo interferido na minha própria trama...). Mas o interessante é que, em diversas outras situações, Closer me serviu e ainda me serve de intertexto, de matéria para "ruminar" e para tentar desatar alguns nós das minhas relações afetivas/amorosas.
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Na época de seu lançamento, li uma crítica - do Contardo Calligaris, da Folha - que também acabou me marcando bastante. Acho que ele faz algumas reflexões muito pertinentes, não só acerca do filme, mas também acerca dessa maluquice que são os relacionamentos amorosos. Pra mim, é especialmente feliz o item 5.
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Eis o texto:
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"Closer - Perto Demais": por que somos infelizes em amor?
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Concordo com Caetano Veloso, "de perto ninguém é normal". Mas "Closer - Perto Demais", de Mike Nichols, me deixou pensando diferente: de perto, somos normais demais.
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O filme é uma demonstração tocante de nossas impotências e incompetências sentimentais. Se você quer saber por que, em regra, somos infelizes em amor, não perca.

Para não estragar o prazer de quem não viu o filme, nada de resumo, apenas as reflexões fragmentárias com as quais passei a noite, depois de ter assistido a "Closer - Perto Demais".

1) Por que, no meio de uma história amorosa que funciona, um encontro (que sempre parece mágico) pode levar alguém a trocar a intimidade de um casal companheiro por uma visão?

Os evolucionistas dizem que os homens são infiéis por necessidade biológica. Para que a espécie continue, os machos seriam programados com o desejo de fecundar todas as fêmeas possíveis. A teoria tem uma falha: as mulheres são tão infiéis quanto os homens (embora os homens se recusem a acreditar nessa banalidade).

O senso comum tem outra explicação: a paixão iria se apagando com a repetição, os humanos gostariam de novidade. Pequeno problema: a idéia de que a novidade seja um valor é especificamente moderna; no entanto a inconstância em amor é um hábito antigo. Outro problema ainda maior: na condução de nossas vidas, somos obstinadamente repetitivos. Insistimos nas mesmas fantasias e nos mesmos sintomas. Contrariamente ao que diz o provérbio, errar é divino, perseverar é humano. Por que seria diferente em matéria amorosa? Como pode ser que um encontro, em que mal se sabe quem é o outro ou a outra, contenha uma promessa que basta para levar alguém a dar um chute num amor que dura?

Tento responder: apaixonar-se é idealizar o outro, durar no amor é lidar com a realidade do amado ou da amada. Antes de ponderar os charmes da idealização, duas observações.

Um impasse: para manter a paixão, devo continuar idealizando o parceiro. Mas, para idealizar o outro, devo mantê-lo a distância. Se mantenho o outro a distância, renuncio aos prazeres de amor, companheirismo, cumplicidade, convivência.

Um paradoxo: se me separo porque me apaixono por outra ou outro, o parceiro que deixei se distancia de mim, portanto volto a idealizá-lo e a me apaixonar por ele.

2) Por que gostaríamos tanto de idealizar o outro que vislumbramos num novo encontro? Uma nova paixão amorosa é provavelmente o sentimento que mais pode nos transformar, para o bem ou para o mal. Por exemplo, se o outro me idealiza, carrego seu ideal como um casaco novo: modifico minha postura para que o pano caia bem no meu corpo. De uma certa forma, tento me parecer com o ideal que o outro ama em mim.

Cada amor, quando começa, é uma aventura. Não porque encontro um novo parceiro, mas porque, ao me apaixonar, descubro ou invento um novo ideal e, ao ser amado, mudo para me aproximar do que o outro imagina que eu seja.

A inconstância amorosa talvez seja a expressão imediata do desejo de mudar - não de trocar de parceiro, mas de se reinventar.

Não é estranho que, na hora em que um amor começa, alguém decida se dar um novo nome. Nenhuma mentira nisso, apenas a convicção e a esperança de que a paixão nos transforme.

Infelizmente, mudar é difícil: a sedução exercida pelos novos amores é uma veleidade, um pouco como as resoluções de que as coisas serão diferentes no ano que começa.

3) Dizem que um casal que se ama briga muito. O uso erótico das brigas é conhecido: a paz se faz na cama. Menos conhecido é o uso amoroso das brigas: chegar ao limite da ruptura pode ser um
jeito de recomeçar, de voltar ao momento inicial da paixão, quando ambos esperavam que o amor os transformasse.

Problema: ninguém sabe qual é o ponto de equilíbrio além do qual as brigas não garantem renovação nenhuma, apenas desgastam um amor que se perde.

4) Alguém se apaixona por outra pessoa porque, ele se queixa, sua parceira precisa dele. É aquela coisa: seu amor me exige demais, você me sufoca, me prende. Isso, é claro, é um jeito de
dizer: com você sou sempre o mesmo. Também é uma projeção: separo-me porque não agüento minha própria dependência de você. Visto que me detesto por estar a fim de lhe pedir amor a cada minuto, acho intolerável que você me peça. Quem pensa e age assim, em geral, fica sozinho no fim.

5) Um homem volta para o lar depois de ter estado nos braços de outra. Sua mulher pergunta: você me ama ainda? Ela tem razão, é a única pergunta que importa.

Uma mulher volta para o lar depois de ter estado nos braços de outro. Seu homem pergunta: você esteve com ele? Insiste: quero a verdade. Pede os detalhes: gostou? Gozou? Onde aconteceu, em que posição, quantas vezes?

O ciúme feminino é uma exigência amorosa. O ciúme do homem é uma competição com o outro, um duelo de espadas, uma esgrima homossexual que tem pouco a ver com o amor pela amada e muito a ver com as excitantes lutinhas masculinas da infância.

Enfim, quem sabe o filme nos ajude a inventar jeitos de amar menos desafortunados e mais interessantes.

4 comentários:

Anônimo disse...

esse filme é realmente do carajo. mexe com a gente...

Naeno disse...

ELEGIA

Vejo ela chegar, soturna
Aclamada pelas luzes que se cruzam
Ouvem-se tambores em contratempo
São nuvens que se atropelam para contemplá-la
Aguça-se o movimento de vai e vem dos anjos lá pelo céu.

Seu belo vestido branco, organdi sobre cetim
Toma a visão inteira do horizonte
Por todas as gerações formadas e desfeitas.
As mães passam às filhas antes das núpcias
A modelo do vestido que os animais tecem.

Ela anda para mim
Para todos que juram vê-la
Expõe o diadema que a identifica do normal das mulheres.
Distribui sonhos entre os desenganados
E discórdia entre os afortunados.

Eu contemplei o seu ser transparente e firme
Quando um relâmpago ambíguo focava seu corpo
E sua silhueta desnuda afastava a lua.

Desde então eu percorro balançando o mundo
Sem me contar, no meio de ninguém.

Um beijo
Naeno

Naeno disse...

Este filme eu vi, e o considerei como tendo sido feito a partir de um texto que, apresentado ao diretor, constava apenas o nome. Tudo fora inventado. Ou baseado num desastre de se encontrarem, pode ter sido, num fim de semana, ou numa mesa de pôquei, porque ninguém se afinava. Outro aspecto é a mesma coincidência de se juntar quatro pessoas extremamente masoquistas, que vêem no sofrimento um cobertor que acalenta o sono. Como a cena final de Júlia Roberts.

Um beijo
Naeno

Unknown disse...

demoras muito para atualizar teu blog, mujer. deverias escrever mais... e visitar o dos amigos. hehehe - tággidi ávida de leitores (de interlocutores, a bem da verdade). bjos, minha flor!!!